Inicialmente gostaria de dizer que sou um RPGista “amador”, jogo RPG a menos de 1 ano e para mim é apenas uma atividade lúdica, um robe que tenho a grata satisfação de compartilhar com meus amigos. Acho que não é legal enquadrar a “literatura” dentro de teorias das ciências humanas, por melhores que sejam, porque aprisionam a subjetividade humana e, portanto, perde-se em muito sua “beleza” (a ciência não desencanta só a natureza, mas também as estórias).
Não tenho de forma alguma a intenção de apreender a essência de “Mago – A Cruzada dos Feiticeiros”, mas relendo as crônicas do “Ato I. O livro das horas de Giotto” (após 2-3 copos de vinho) encontrei alguns elementos da teoria de René Girard, os quais achei tão curiosos que resolvi escrever este pôster, mais como forma de agradecimento ao nosso mestre Diego Klautau, do que como produção científica qualificável.
Eu não tenho a pretensão de explicar a antropologia girardiana, mas em poucas palavras, para Girard a evolução dos antigos primatas para o Homem moderno é caracterizada pelo espetacular desenvolvimento da capacidade de imitação. Ou seja, nas populações primitivas, qualquer indivíduo teria a capacidade de “imitar” o progresso descoberto por outro. Contudo, esta “capacidade” se apresenta não como simples “imitação”, se dá ainda na forma de “mimese”, ou seja, cada indivíduo tem a capacidade de imitar os objetivos de seus congêneres. Esta é a tese fundamental de Girard: o desejo é menos por um objeto (alguém ou alguma coisa), mas primordialmente orientado para a imitação do desejo de um modelo que possui ou cobiça este mesmo objeto (eu desejo o seu desejo...).
A rivalidade estabelecida acarreta fatalmente o conflito. Girard o denomina “luta entre pares”, um fenômeno que se auto-perpetua até a morte de um dos rivais. Estes conflitos se alastram e podem contaminar todo um grupo. A crise põe em risco a sobrevivência da coletividade.
As sociedades primitivas desenvolveram meios poderosos de prevenção da “crise mimética”, valendo-se dos “interditos” ou da “catarse” – os sacrifícios – que constituem, para Girard, o fundamento do sentido religioso.
O homem é um ser de desejo, e um desejo do tipo mimético, de imitação e apropriação. Esse desejo, tornado rivalidade, gera uma crise mimética, resultando numa violência coletiva, generalizada, indiferenciada, apenas se apaziguando com a transformação da violência de todos-contra-todos para o mecanismo vitimário, o chamado todos-contra-um, também conhecido como o bode expiatório. (Klautau, 2005).
O rito sacrificial do bode expiatório é algo que me chama a atenção. Ocorreu um “dano” em um dado momento e este dano precisa ser reparado, uma “vítima sacrificial” precisa ser escolhida para que o mal seja expiado e se restabeleça o equilíbrio da sociedade [1].
O “Ato I. O livro das horas de Giotto” discorre sobre as aventuras da cabala de magus de Florença para reconstituir o livro das horas de Giotto. Na sessão de Jogo dia 24-10-09 ocorreu uma das batalhas mais violentas enfrentadas pelos magus, a qual culminou com a trágica morte de Raimondo, um dano, um trauma para os magus, e com Abdul seriamente ferido. Posteriormente ocorreu a destruição do Mercato Nuovo e a prisão de Abdul por vampiros, os quais ainda valendo-se de suas artimanhas fizeram-no beber de seu amaldiçoado sangue, desgraça compartilhada por Aurora. Ainda, Arturo foi gravemente ferido, quase morto para satisfazer um capricho dos Vampiros.
Ora, a situação estava quase insustentável, o que impedia que a violência rompesse entre os magos? Neste momento surge a figura de um nephandus, um infernalista, ou seja, a vítima sacrificial foi identificada. Aquela que expiará o mal de Florença, objetivo que une Magos e Ordem da Razão. Com a expulsão do nephandus, ocorre a vitimização de Etrigan. A paz temporariamente estava garantida, o equilíbrio foi restabelecido... Até a próxima crise mimética...
[1] Para entender melhor a teoria de René Girard, recomendo a leitura de seu livro Violência e o Sagrado e Eu via Satanás cair do céu como um raio. Tem uma resenha bem bacana deste livro: Klautal. REVER, 1995.
3 comentários:
Oi Diego,
Obrigado pelo comentário...
Esse poster foi uma forma de te agradecer pela brilhante mestragem e por ter me apresentado o Girard.
Um grande abraço,
Hugo Marcelo
Ok, texto lido, sr. Hugo.
Vou explorar esse Girard, essa idéia de crise mimética bem me interessa
Oi Ana,
Talvez a idéia do "mecanismo vitimário" seja ainda mais interessante para o seu mestrado...
Um grande beijo,
Hugo Marcelo
Postar um comentário