Diário de Heráclito,
Em meio a guerras, momentos de sono são qualquer coisa, menos tranquilos. Depois de várias semanas em combate, o cray de Santa Croce pode dormir um pouco, mas não se pode se dar ao luxo de descansar.
Ataques e defesas. Avanços e retrocessos. É de inconstância que o dia a dia de nossa Capela tem vivido. E hoje não foi diferente.
Ao voltar de uma batalha importantíssima para a manutenção de Santa Croce, e acreditando na vitória – se é que ter apenas paredes de pé pode ser chamado por esse nome –, nos deparamos com uma invasão que excretava substância purulenta e estava prestes a tomar definitivamente o controle de nosso domínio. Exaustos e feridos, não pudemos nos eximir de mais um confronto e, com um esforço conjunto de esferas, conseguimos retirá-la e expulsá-la para os reinos de Hades.
Por melhor que tenha sido a defesa, os danos foram grandes e a estrutura da capela ficou gravemente abalada. O teto fora praticamente destruído e alguns pilares sustentadores encontravam-se no limite da firmeza. Aliado a isso, era visível o desânimo em nossos rostos. Afinal de contas, como reconstruiríamos a capela de modo que ninguém desconfiasse de poderes mágicos ou sobrenaturais?
Precisávamos de uma entidade forte o suficiente para levantar nossas paredes em pouquíssimo tempo, uma vez que, mesmo em relativa trégua, corríamos o risco de um ataque a qualquer momento. Entretanto, não eram apenas as paredes a razão de nossas preocupações. A defesa espiritual do cray também estava prejudicada. Foi então que pensei em pedir ajuda de Hefesto e seus assistentes, os lendários ciclopes.
Iniciei o ritual, como sempre, doloroso. Para isso, precisei da ajuda de Aurora. Primeiramente, arranquei minha mão direita. Insuportável, mas, necessário para a execução de ousada iniciativa. Com a mão arrancada, joguei-a ao chão e passei a abrir uma porta para Hefesto no chão com um martelo espiritual.
Nunca pensei que tal magnitude pudesse responder ao meu chamado. Hefesto, no alto de seu poder, escutou-me e aceitou adentrar em nossa Capela. Por alguns honrados instantes, conversei com ele e concordei que, para contarmos com sua ajuda, eu ficaria em débito e seria cobrado no momento oportuno: um cravo de ferro, semelhante àquele que usou para prender Prometeu, foi fincado em meu ombro direito para não me deixar esquecer.
Hefesto, o Senhor do fogo, dos metais e da metalurgia |
E, assim, a Capela foi reconstruída. Em cada grão de areia, podíamos ver o trabalho forjador do senhor do fogo, dos metais e da metalurgia. Não creio que alguns dos integrantes de nossa cabala consigam entender a importância de termos nossos muros reerguidos pelo mesmo deus que forjou os raios de Zeus, o tridente de Poseidon, as flechas de Apolo e as armas e o famoso escudo de Aquiles. Auxiliado por seus ciclopes – Arges “Brilhante”, Bronte “Tonitruante” e Esteropés “Relampejante” –, levantaram nossos muros com a mesma habilidade e força que construíram as muralhas de Tirinto.
Contudo, precisávamos nos atentar para a interpretação que os adormecidos fariam dos acontecimentos da noite anterior. Concluímos que a explicação para que alguns detalhes da fachada da Capela, propositalmente, permanecessem destruídos ficaria por conta do terremoto e uma densa névoa – temperada com um pouco de medo sobrenatural – deu mais algum tempo de sono e descanso à população, que não costuma sair de casa em dias como esses.
Como disse antes, a defesa espiritual do cray também precisava ser restaurada. Então, juntamente com Aurora, pudemos restabelecer Caliban e Ariel. E, para minha surpresa, Hefesto, ao terminar sua obra, permitiu que Esteropés permanecesse conosco. Ele aumentaria nosso poder de defesa e, por iniciativa de Zvetlana, encontramos um lugar para ele. Uma escultura de sua representação cristã, Pedro, foi posicionada na entrada da Capela e, a partir de então, ele nos ajuda a defendê-la.
Outras medidas de defesa também foram tomadas e, em meio a isso, eu e Svetlana passamos por uma experiência perturbadora. Sempre que evoluímos nas esferas de poder, algo relacionado ao nosso autoconhecimento e autorreflexão acontece. Dessa vez, vimos uma pessoa retirando a essência vital de prisioneiros, incluindo eu e Svetlana. Quando chegou a minha vez, iniciamos um embate de ideias acerca da inevitabilidade do destino e da inexistência de sentido em idealizar uma ascensão. Permaneci firme em minhas convicções, mas confesso ter ficado um pouco abalado com o que me foi dito. Svetlana, por sua vez, me pareceu mais convicta em sua posição. Discordou, veementemente, e, de certa forma, até desdenhou da figura virtualmente composta. Eximir-me-ei de análises sobre a postura dela, certo que, dentro de um cenário tão complexo, é difícil definir quem está no caminho certo.
Por fim, uma atitude impensada ocorreu. Ainda não consegui entender exatamente, mas tenho a suspeita de que foi uma precipitação grave. Senti que Abdul havia decidido executar um ataque a alguém e encontrou muita dificuldade. Tanta, que Zvetlana, antes conversando comigo e Aurora, teve que partir com urgência em seu auxílio. Não é a primeira vez que Abdul age por impulso e esse hábito tem se tornado cada vez mais perigoso, já que nossos inimigos tem ficado, por sua vez, cada vez mais fortes.
3 comentários:
Grande Laredo,
Excelente texto.
Adorei a forma que vc trabalhou a mitologia grega.
Hefesto é o cara.
Um grande abraço,
Hugo Marcelo
Medo. Só tenho a dizer isso...
Até que nem foi tão ruim (assustador) o jogo seguinte.
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