4 de novembro de 2011

Capítulo 7 - A Boa Morte: parte II

   
Acordei com o rosto colado no chão arenoso. Reconheci o barulho de pessoas. Muitas pessoas. Elas estavam conversando. Ou melhor, negociando, comprando e vendendo. Sim, estava em uma feira bem parecida com aquelas as quais me acostumei a freqüentar quando ainda roubava livros.

Levantei-me. Ainda sujo de terra tentei descobrir em que feira estava e percebi que era exatamente aquela na qual fui preso por conta da traição de Parmênides. Decidi procurá-lo. De alguma maneira sabia que ele estava lá e desejava encontrá-lo para acertarmos as contas.    

Andei por um tempo até encontrá-lo. Ele estava conversando com alguns homens que, eu poderia arriscar, tinham sido meus algozes na tortura. Ele recebia dinheiro dentro de um saco de pano e sorria; sua barraca nunca esteve tão cheia de livros.

Decidi esperar um tempo. Precisava que aqueles homens fossem embora para, finalmente, me vingar daquele traidor. Para aumentar a minha raiva, os vi reproduzindo, por meio de gestos, as cenas dos, quem sabe, meus momentos de dor. E, com escárnio, também riam do semblante sofrido de quem estava sendo machucado.

(Eram eles, com certeza)

Eles foram embora. Chegou a hora. Ainda não. Era necessário esperar mais um pouco. Esperar que as pessoas fossem embora e os comerciantes começassem a guardar seus produtos. De acordo. Aceitei mais algumas horas de espera. Talvez aquilo fosse o teste que deveria passar: a morte da pressa e da ansiedade.

Chegou o momento. Ele está sozinho. Tenho a impressão de que meu desejo havia se saciado de modo perfeito. Queria tanto que ele fosse o último a arrumar sua barraca. Surpreendi-me com isso: mais ninguém ficara no local. Seria a roda da fortuna girando a meu favor?

Aproximei-me escondido. Ele percebeu e, surpreso, perguntou:

- O que você está fazendo aqui?
- Sentiu saudades, Parmênides?
- Uff... Pensei que você estivesse morto. É... Digo... Que bom lhe ver, velho amigo.
- Digo o mesmo, traidor maldito.
- Como assim? Não fui eu que o entregou. Pare com isso.

Parmênides dava claros sinais de nervosismo e, recuando, buscava algo no bolso. Era uma adaga. Ao se armar, vi em seus olhos o desejo de me matar e confirmei as suspeitas. Ele errou o ataque e, estranhamente, a boa sorte estava do meu lado outra vez. Ele tropeçou e caiu em cima da própria arma.

Com o rosto no chão, ele gemia. Sangue escorria e enlameava a terra. Agachei-me e o virei de barriga para cima. Queria ver seu rosto uma última vez.
 
 
    

5 comentários:

Hugo Marcelo disse...

Grande Laredo,

Que sinistro.
Isso tá parecendo as estórias de revista em quadrinhos. Muito legal!!!

E agora? Como ele será recrutado pelo Cray eutanato? Por que justo ELE foi enviado para Florença?

dklautau disse...

A vingança de Heráclito contra Parmênides.


Essa narrativa é bom simbólica para o elemento fogo que é expresso no pensamento filosófico de Heráclito. Caos e fúria. Excelente.

Estou de acordo com as dúvidas do doctor Hugo. Por que Heráclito foi enviado?

Filipe Laredo disse...

Aguardem, meus amigos. Muita coisa ainda vai rolar com esse eutanatos...

Filipe Laredo disse...

Paciência, meus amigos. Muita coisa ainda vai acontecer com esse eutanatos.

Hugo Marcelo disse...

We will see!!