27 de outubro de 2011

Cap. 5 - Aceitar a morte



Se o brilho de uma centena de sóis
   Fosse queimar de uma só vez no céu
   Seria como o esplendor do Poderoso
   Eu tornar-me-ia Morte
    O estilhaçado dos mundos

- Bhagavad-Gita









Estive preso. Fui torturado. Prestes a ser devorado por abutres e chacais estive desesperado. Mas acreditem. Nada disso pode ser comparada à dor da sede.

Caminhei por muitos quilômetros em baixo do sol da savana. Minha pele havia rachado. Com os olhos secos podia contemplar apenas o que o horizonte infinito me proporcionava e as forças que tinha se esvaíam cada vez mais rápido.

Sem mais energia para manter-me de pé, passei a me arrastar naquele chão duro e áspero, cujo calor parece queimar como brasa. Nesse ponto meus pés agradeceram, pois estavam em carne viva de tanto caminhar. Olhava para o céu e suplicava por alguns pingos de chuva, mas minha consciência já era madura o suficiente para não acreditar em tais trapaças.
Num calor semelhante ao inferno, clamei por Hades:

- Ó, Grande Senhor das Profundezas. Que provação é essa que me foi reservada? Não foi na sua presença que estive há pouco tempo atrás? Como queres que eu bem sirva aos seus propósitos, sozinho em terra desértica?

Não escutei nenhuma resposta. No fundo sabia que esse tipo de pergunta não seria respondida sem que eu mesmo não conseguisse entendê-la de verdade.

Decidi morrer. Aceitei a morte como algo necessário para minha redenção. Que ela venha e seja bem recebida. Foi quando algo ocorreu.









No fim das minhas forças escutei passos e novamente pessoas conversando. Elas se aproximaram e me deram a trégua de uma sombra em volta. Um deles se abaixou, tocou em meu rosto e pronunciou palavras que não pude compreender. As sombras se intensificaram como a noite.

Ainda estava deitado quando escutei:

- Levantem-no! Chegou a hora!

- Onde estou? – respondi.

- Você sabe o que lhe aguarda. É um desperto bastante esclarecido.

- Aceito a morte com todos os seus prazeres, respondi convicto da inevitabilidade.

- Era o que precisávamos, meu caro. 
   
   

3 comentários:

Hugo Marcelo disse...

Grande Laredo,

BAcana este texto... Tenso, forte, "em carne viva"!!

Adorei!!

Hugo Marcelo

dklautau disse...

Ok, ok, se o Heráclito não conseguir sintetizar o que é um euthanatos, ninguém mais pode.

Essa manifestação da compreensão de que a morte é apenas um começo é esplêndida.

Quero saber quem são essas figuras!

Que venha o pós-morte!

dklautau disse...

A citação do Gita também é uma homenagem espacial aos hindus chackravanti. Especialmente adequado ao texto.