27 de outubro de 2011

1º Interlúdio - As origens de Heráclito






Heráclito nasceu na maior ilha das treze periféricas existentes na Grécia em 1881. Situada ao sul do mar Egeu, Creta guarda o mito de ter sido o antigo lar do mítico minotauro¹.

Por volta de 2000 a.C, os cretenses formaram uma forte civilização, chegando a construir palácios por diversos lugares da ilha e se constituindo como um referencial riquíssimo, graças ao comércio de vinho, azeite, cerâmicas, tecidos e joias. Porém, quando da invasão dos aqueus em 1400 a.C, o predomínio da ilha terminou.

Último filho de um coveiro analfabeto e velho, Heráclito, desde pequeno, ajudou seu pai no cemitério. Chamado de “Carrega-defunto” pela vizinhança, Calímaco sabia que sua função era de extrema importância para o espírito daqueles que morriam. E por isso, ensinou a Heráclito o respeito pelos vivos e, principalmente, pelos mortos.



Conforme seu pai ia perdendo a força nos braços, Heráclito ia ocupando as fases mais difíceis na tarefa: cavar o túmulo, carregar os corpos empacotados e, por fim, enterrá-los. O cansaço lhe afligia diariamente, mas as condições da família não lhe rendia  outras alternativas.

Quando era mais jovem, Calímaco decidira que um de seus filhos deveria aprender a ler. Esse era o grande objetivo de sua vida, mas, por conta de circunstâncias da vida, nenhum deles havia conseguido até aquele momento. Foi então que, sozinho no cemitério, ele escutou um dos diversos espíritos que tentavam manter contato, mas sempre com muita habilidade, conseguia evitar. Porém, esse, o espírito de um poderoso feiticeiro, lhe fez um oferta:

- Todos aqui sabemos qual o seu desejo. Quer vê-lo realizado?

Um pouco apreensivo, Calímaco pensou por uma noite inteira para responder que sim, gostari  que o feiticeiro fizesse seu filho ler.

O espírito então lhe exigiu uma condição:

- Assim que aprender, ele terá que lhe matar.

Lágrimas caíram de seus velhos olhos. Sabia que a morte não tardaria a lhe procurar. Decidiu aceitar.

- Amanhã, abra o meu túmulo. Você verá uma escada que leva para baixo. Faça com que Heráclito me encontre lá.

No outro dia, Calímaco explicou para Heráclito que ele, finalmente, aprenderia a ler. 

Empolgado, pois essa seria a oportunidade de conhecer tão difícil arte, aceitou prontamente descer o túmulo indicado.

- Não nos é permitido saber ler Heráclito. Por isso você terá que aprender escondido nesse buraco.

Ele desceu e encontrou inúmeros livros organizados em uma espaçosa sala subterrânea. Passou a estudar todos os dias, sozinho dentro do túmulo do feiticeiro. Uma estranha sensação lhe dominava. Era como se alguém estivesse ali com ele. Ele não sabia. Mas seu professor era exigente.

Aprendeu a ler e a escrever. Em apenas um ano, ele se tornara capaz de ler qualquer livro existente, inclusive os complicados tomos de filosofia. Entretanto, a literatura ali guardada era mórbida demais para ser considerada popular. Aos poucos, Heráclito foi aprendendo conceitos sobre sacrifícios de sangue, morte, comunicação com espíritos e sua relação com o mundo dos vivos. Esta leitura construiu uma percepção incomum para a formação de um adolescente da época; descobriu que, aceitar a morte, era um virtude que deveria ser incentivada.  

Chegado o momento, seu pai lhe disse:

- Heráclito, eu já sou velho e as doenças não tardarão a me fazer sofrer. Peço que me poupe e ofereça aos deuses a minha alma.

- Mas como, pai? Isso me é impossível de fazer. Como poderei lhe tirar a vida?

O espírito do feiticeiro estava próximo de Calímaco, lhe lembrando que, se o acordo não fosse cumprido, não apenas a sua, mas também a alma de Heráclito estaria condenada.

Calímaco então puxa um punhal e ataca o próprio filho gritando em cólera: - Mate-me!

Sem forças, ele foi facilmente dominado pelo filho, mas permanecia gritando:

- Nossas almas estarão condenadas se você não fizer isso. Como você acha que conseguiu aprender a ler. O feiticeiro lhe ajudou.

- Você não deveria ter feito isso, pai. O que você está contando é uma lenda que li em um dos livros. No mesmo dia em que entrei naquele túmulo, sabia que isso iria acontecer. Quando me deparei com esta história, confirmei. Você deve morrer, para que, um dia nos encontremos no além-mundo.



Certo da redenção espiritual, Heráclito degola seu pai. Sem remorso ou lágrimas. Calímaco morre sorrindo e seu espírito ainda tem tempo de acariciar o rosto do filho.

E Heráclito parte, como um nômade, da cidade onde nasceu.  


   
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¹Sobre o rei Minos de Creta: “Monstro com corpo de homem e cabeça de touro, filho de Pasifae, mulher de Minos e de um touro mandado a Minos por Poseidon. Horrorizado com o monstro, Minos mandou o ateniense Dédalo construir um enorme palácio  - o Labirinto -, um emaranhado de salas e corredores que somente Dédalo podia percorrer sem se perder, e lá encerrou o Minotauro, Anualmente (ou de três em três anos, ou de nove em nove anos, conforme as fontes), Minos entregava ao monstro sete moças e sete rapazes, tributo que impusera aos atenienses pela morte de seu filho Androgeu. Teseu apresentou-se  voluntariamente para integrar o grupo de sete rapazes, e com a ajuda de Ariadne, filha de Minos, conseguiu matar o Minotauro e sair do Labirinto. (Fonte: KURY, Mário da G. Dicionário de Mitologia Grega e Romana. Rio de Janeiro: Zahar, 2008).
  
    

3 comentários:

Hugo Marcelo disse...

Grande Laredo,

Nossa, excelente texto.

Gostei muito como vc tratou a temática do parricídio. Considerado um dos "pecados" mais abomináveis pelos gregos...

Estou curiosíssimo para saber as conseguencias desse ato de Herácrito!!

Um grande abraço,

Hugo Marcelo

Hugo Marcelo disse...

As imagens também estão muito legais!!!

dklautau disse...

D. Filipe,

O sacrifício do pai para a redenção do filho e a finalização da missão a todo custo pelo filho. Isso é alta mitologia grega. A comunicação com os mortos, a gnose para a libertação da alma e a leitura como porta de entrada para o mundo espiritual.

Todos os elementos de um ciclo do herói trágico. Estou entusiasmado com os mitemas estabelecidos no conto sobre Heráclito.

Cada vez mais compreendo a profundidade trágica e helênica deste euthanatos. Excelente!