Poucos dias após a “Queda
de San Miniato al Monte”, o líder da falaqui
[1] de Florença, Asadullah ibn Talib fazia o reconhecimento do território,
seguindo uma trilha que conduzia para o sul. Admirado com a riqueza e a
variedade da natureza da região, bem diferente da monotonia do deserto em que
vivera até então, é surpreendido pelo cheiro de seres humanos a aproximadamente
300m de distância.
Abandona a pequena trilha
que percorria e se embrenha na mata. Encontra um grupo de cinco ou seis homens
com tochas. Pareciam caçadores. Quando se aproximava do grupo ouve um som
grave. Identifica uma respiração ruidosa. Sob um barranco, jazia um lobo
agonizante. Asadullah percebe que o animal tem pouco tempo de vida. Lambendo
compulsivamente o ferimento de seu peito, por entre gruídos e lamentos tenta
retirar a flecha que o transpassou, mas é em vão. Ao perceber a aproximação de
Asadullah o animal se excita, eriça seu pelo e rosna ameaçadoramente, poucos
segundos depois, seu olhar se torna vago e sua cabeça pende ao solo,
inconsciente. Asadullah se admira da coragem do animal ferido.
Os protestos do canino
apenas atraíram a atenção dos caçadores, que agora estavam próximos, muito
próximos. Mas Asadullah não se assusta. Aparentando uma inquietante serenidade,
eleva sua cabeça e imita o rosnar de um lobo, ou melhor, de uma matilha
inteira, vindo de diferentes direções do coração da floresta. Amedrontados, os
humanos fogem.
Asadullah se atenta ao
animal. É uma fêmea. Suas tetas estão cheias de leite. Deve ter dado cria a
poucos dias. Ele se compadece. Quebra a flecha e retira os fragmentos de seu
tórax. O animal não esboça nenhuma reação. Pelos ferimentos seu sangue se
esvai, copiosamente. Asadullah se apressa. Não quer a morte do animal. Não
permitirá que aquele lupino sofra inutilmente. Rapidamente pega seu punhal e
sem hesitação corta seu próprio punho. Abre a boca do animal e por sobre sua língua,
deixa escorrer seu sangue.
Sua respiração se torna
agônica, seus olhos se fecham, está quase sem vida.
Asadullah olha para a
criatura e pensa nos seus filhotes que perecerão. É lua minguante. A escuridão
é quase absoluta. Neste momento, ouve um leve gemido, e com uma agilidade impressionante,
o animal se coloca de pé e emite um uivo ensurdecedor. Ela olha para Asadullah que
lhe sorri e estende sua mão. Ao sentir o cheiro de seu sangue, o animal o ataca.
Agarra seu pulso e se bebe de seu sangue. Com uma fúria selvagem, estraçalha
sua mão. Quando aparenta estar saciada emite um rosnado curto, e se vai; desaparecendo
no interior da floresta. Asadullah se levanta, enrola sua mão em um pano e inicia
a caminhada rumo à San Miniato al Monte,
onde se depara com seu serviçal, Khaled Ahmad al-Omrani.
Khaled – Assalam-u-Alaikum. Meu senhor, por Allah
(swt) o que foi isso? (aflito examina sua
mão gravemente ferida).
Asadullah – Waalaikum
salaam, Khaled. Isso, não foi nada. Amanhã à noite já estará funcional
novamente. Encontrei uma loba ferida na floresta e ofereci meu sangue para ela.
Khaled – Uma
loba? Senhor, sabes o que acontece quando um animal selvagem se embebeda com
sangue vampírico... (aparentando temor).
Asadullah – Sim, eu sei. Mas agora não há retorno.
Um longo e sonoro uivo irrompe na floresta...
Khaled – Ela
virá em busca de mais.
Asadullah – (sorriso
misterioso) Ela e seus filhotes.
Khaled – Filhotes!
Que Allah (swt) nos ajude.
Asadullah – (amigavelmente
coloca sua mão sobre o ombro de Khaled e olha diretamente em seus olhos)
Você se preocupa demais, Khaled... Animais selvagens submetidos aos laços de
sangue podem se tornar excelentes guardiões.
Khaled – Se
tornam animais gigantes de força herculana. Difíceis de serem domados.
Asadullah – Tenho certeza que você conseguirá.
Khaled – Eu??
Asadullah – E quem mais poderia fazê-lo? És um grande
adestrador. Como fora seu pai, seus tios e seu avô...
Khaled – É
verdade. Grandes domadores de camelos!
Asadullah – Aquele que consegue domesticar camelos
selvagens, pode adestrar qualquer animal. Eu lhe garanto.
Khaled – Não
é tão simples...
Asadullah – Não se subestime. Mudando de assunto... Já
terminaram a inspeção da antiga capela Tremere?
Khaled –
Sim. Passamos o último pente-fino nas instalações e não encontramos mais
nenhuma armadilha ou artefato Tremérico.
Asadullah – Creio que esteja segura. Depois com calma
vamos estudar uma forma para mudar todas as entradas e saídas. Não me agrada a
idéia dos Tremere conhecerem a planta
de nossa morada.
Khaled – Eu
disse para Muammar e Katami irem buscar vossos pertences que estavam guardados na
Chiesa di Ognissanti.
Asadullah – Ótimo. Então hoje nos mudaremos em definitivo
para cá.
Khaled –
Sim, senhor.
Asadullah – Tem visto o senhor Abdul Haseeb?
Khaled –
Sim, nos vemos quase todos os dias na mesquita, para o Salat[2], principalmente a Fajr[3].
Asadullah – Isso é bom. Peça a ele a gentileza de vir até
aqui amanhã após o pôr-do-sol. Quero pedir-lhe que abra o portal para
Constantinopla. Quero comunicar à al-Arqam as boas novas.
Khaled – Que
assim seja, meu senhor. (faz uma longa
reverencia).
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[1] Os Assamitas se organizam em unidades similares aos bandos do Sabá, estes grupos são conhecidos como falaqui.
[2] É um dos cinco pilares do islã. Refere-se às cinco orações públicas que cada muçulmano deve realizar diariamente, voltado para Meca.
[3] É a oração do alvorecer.
3 comentários:
Esta fora de ordem, mas achei por bem postar esse texto que já está pronto a quase 3 meses...
Ai Hugão fiquei muito animada com essa estoria!
Por que será?
hahahhaha
Bjs e até a próxima mesa!
Esse texto foi escrito antes do "desconforto" recente entre lycans e magos.
Se fosse hoje, Asadullah teria escolhido outro animal, provavelmente uma cobra gigande com a Nagini, a cobra de estimação de "Voldermort"...
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