A Vida Como Ela Era...
Minha Filha, Meu Tesouro - Parte II
Firenzi, séc. XV, que cidade fascinante. Sua arquitetura tão singular, suas catedrais e seus afrescos, a música, as artes liberais, as cores, a realidade parece testemunhar o alvorecer do Renascimento. Nesta cidade moderna e em franca transformação, Abdul Haseeb Muhammad Abn Abdulaziz, a cada dia descobre que educar seus filhos é uma tarefa um pouco mais complexa do que imaginava...
Cenário:
Passado alguns dias do fatídico debate sobre o futuro de Alima Sameena, Abdul Haseeb e sua família estão novamente reunidos em volta da mesa de jantar.
Alima Sameena − Papai, o que é Amaliyya?
Abdul – Amaliyya é uma das áreas da “jurisprudência islâmica”. Se refere às regras, normas em relação aos atos. As ações podem ser classificadas em fardh, o que é obrigatório; mustahabb, o que é recomendável; mubah, o que é permitido; makrooh, o que é desaconselhado e haraam, o que é proibido.
Alima Sameena − Bismillah!
Abdul – Por que estás me perguntando isso?
Alima Sameena − Porque, sim.
Abdul – Não estás ainda pensando em ser uma scholar, estás? Eu disse para você esquecer esta idéia.
Alima Sameena − Está bem, papai.
Abdul – Está bem? (confuso).
Alima Sameena − Sim, mamãe me disse para não discutir com você.
Abdul – É um bom conselho (sorriso orgulhoso).
Alima Sameena − Disse para eu me preocupar em aprender o árabe, a recitar o sagrado Corão e a juntar dinheiro; que quando eu crescer ela vai te convencer a me deixar ir para a escolinha de Fatima.
Abdul – (Olhar furioso, tom de voz elevado). Como pode me desafiar dessa forma?
Amineh Nadirah − (desconcertada). Marido, acalme-se. Deixe-me te explicar.
Abdul – Então a senhora tem uma explicação para esta desobediência.
Amineh Nadirah − Senhor meu marido, me escute. Não achas que seria útil para a educação de nossa filha ter um objetivo a longo prazo, mesmo que seja uma fantasia como ser uma scholar?
Abdul – (olhar confuso).
Amineh Nadirah − Almejar ir para uma Madrasa e guardar dinheiro para este fim, não seria de grande auxílio à educação de nossa filha? A ensinaria prudência para lidar com os recursos.
Bahiya Malika – Se tornará uma mulher mais econômica na fase adulta.
Amineh Nadirah − Sim, é claro. Além de ser um estímulo para o estudo do sagrado Corão.
Abdul – (pensativo, fica em silêncio por 30 seg.) Confesso que não tinha analisado esta questão por este ponto de vista... Está bem. Eu não me oponho que guarde dinheiro para ir para a Madrasa. No futuro poderá gastar este dinheiro com algo mais importante...
Alima Sameena − Ehhhhh! Allah (swt) é grande, al-Kabir, al-Karim.
Abdul – Mas tem uma condição. Isso tem que ficar em segredo.
Alima Sameena − Por que papai?
Abdul – Os bons mulçumanos querem se casar com moças que priorizem a família e que não tenham outras ambições.
Alima Sameena − Os homens querem se casar com mulheres que saibam dançar. (disse isso enquanto erguia os braços e ensaiava alguns passos de dança do ventre).
Abdul – O que é isso, minha filha!? (rubro de vergonha).
Alima Sameena − Dança do ventre, papai.
Abdul – Por favor não faça isso à mesa. Aliás, não faça isso em público.
Alima Sameena − Tá bem, papai.
Abdul – A propósito, como você pretende juntar dinheiro?
Alima Sameena − Sai correndo rumo ao seu quarto e retorna com um lenço e um baú.
Abdul – Alima, por favor peça licença antes de sair da mesa. Mas o que é isso?
Alima Sameena − É meu bauzinho. Foi Bahiya quem me deu. Aqui eu vou guardar todas as minhas economias.
Abdul – Está certo.
Alima Sameena − Aqui é um hijab que eu bordei para ser vendido na loja.
Abdul – Assim é que você pretende juntar dinheiro? Bordando?
Alima Sameena − É, papai.
Abdul – Me parece um bom plano. Mas... Filha... Está cheio de defeitos. Veja. Você precisa treinar um pouco mais.
Alima Sameena − Papai, compra pra mim. (colocou o lenço sobre a cabeça com olhar mendicante).
Abdul – Como? Comprar para você? Mas já é seu!
Alima Sameena − Não, é para ser vendido na loja.
Abdul – Mas não tem qualidade para ser vendido na loja...
Alima Sameena − Então papai, compra pra mim.
Abdul – Olha para suas esposas, estão rindo.
Abdul – Está bem. Toma 1 florim de cobre.
Alima Sameena − Custa 10.
Abdul – Dez florins? Dez florins? Um novo não vale mais do que quatro.
Alima Sameena − Então cinco.
Abdul – Cinco florins por um hijab que não vale mais do que quatro?
Alima Sameena − Então três.
Abdul – Dois e é a minha última oferta.
Alima Sameena − Tá bom. Só porque é pra você.
Amineh Nadirah − Como é que se diz Alima...
Alima Sameena − Obrigada, papai.
Abdul – De nada. (aparentado estar contrariado, quase um resmungo).
Alima Sameena − Pode colocar aqui no meu bauzinho.
Abdul – Tome.
Bahiya Malika – Mudando de assunto, hoje o meu bebê mexeu o dia inteiro...
4 comentários:
Hilário! A escolinha da Fátima é genial!
Essas mulheres fazem mesmo a gente fazer cada coisa. Essa conversa de que "em grão em grão a galinha enche o papo" é verdade!
Essas cenas de decisão familiar na mesa das refeições é de uma realidade tangível. Uma família se identifica facilmente com essas descrições. Parabéns doutor.
A negociação entre pai e filha islâmicos é surpreendentemente afetiva e realista. Mais uma vez, obrigado pela pérola de texto.
Vais ficar cheio de pontos de experiência!!! Olha com o que vais usar!!
Oi Diego,
Quando eu era criança fazia desenhos e tentava vender pros meus pais... Heheheh
Um grande abraço,
Hugo Marcelo
Parece conto de 1000 e 1 noites Hugão!
hahahahaha
Gostei mt dessa idéia!
Obrigado Camila,
Fico feliz que tenha gostado.
Hugo Marcelo
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