-Aceita mais um chá, Imam?
-Não pense que seu chá irá justificar sua conduta, Abdul.
-Essa nunca foi minha intenção.
-Então, voltemos ao assunto. Por que você fez “acordos” com carniçais? Por que se sujeitou aos caprichos de vampiros? Por que Florença está de joelhos diante dessas “criaturas da noite”?
-Jafar, é que...
-Não sabes que são seres amaldiçoados?
-Sim, Imam, mas...
Acordo! No céu a lua cheia testemunha meu infortúnio. Minhas roupas umedecidas pelo suor emolduravam meu corpo. Meu rosto refletia a luz da lua, emprestando-lhe seu brilho azulado. Era apenas um sonho, ou não seria apenas um sonho? Hoje, o Imam Jafar do Cray de Constantinopla chega em Florença. Só me resta esperar o dia amanhecer...
-Assalam-u-Alaikum, Ishmael.
-Waalaikum salaam, Abdul. Tudo certo para a recepção de Jafar?
-Sim, tudo pronto.
-Ótimo! E os magos? Confirmaram presença?
-Não, nenhum deles.
-Tens certeza que receberam o convite?
-Pedi aos franciscanos que o entregassem em mãos!
-Talvez seja melhor assim. E as fadas?
-Sim, confirmaram presença.
-Que bom... Vamos abrir o portal?
-Sim, claro...
Abdul e Ishmael fazem uma magia em conjunto. Se conectam à mente de Jafar, o qual agradece e orienta os magos sobre sua localização exata. Depois abrem o portal: o símbolo dos Batini aparece como que esculpido em alto relevo na parede, e lentamente se transforma em um “túnel de luz”, pelo qual se vislumbra a silhueta de um senhor de barba branca com seu cajado.
-Ahla u sahla, Jafar [1].
-Assalam-u-Alaikum, Ishmael. Os anos lhe foram gentis. – Os dois se dão um longo e forte abraço.
-Deixe-me apresentá-lo à Abdul. O mais novo Batini de Florença.
-Assalam-u-Alaikum, Jafar.
-Waalaikum salaam, Abdul. Como você cresceu! – Abdul olha para Jafar sem entender o que ele quis dizer, mas retribui com um sorriso. – Ishmael tem me falado muito bem de você.
-Ishmael é muito generoso...
-Modéstia é sempre um excelente adorno. – Risos. – Li seus relatórios. Florença anda muito agitada nos últimos meses... – Mais risos.
-Gostaria de um chá, Imam?
-De que?
-Pétalas de rosas.
-Sim, claro... Hum, que delícia.
-E a guerra, Imam?
-Os cruzados vêm resistindo bravamente, tenho que admitir. Mas a vitória final é só questão de tempo. Mais alguns anos e estaremos livres da opressão do império Bizantino e da “Ordem da Razão”. Vocês, aqui na toscana, vivem uma realidade bastante particular. Parece que existe um diálogo e até um certo respeito entre Magos e a “Ordem da Razão”.
-Temos um inimigo em comum. A luta contra os nephandi nos uni, Jafar. Mas, infelizmente, é apenas circunstancial. – Disse Abdul sem esconder seu pessimismo. – Nos consideram um mal necessário.
-Entendo... E os “cainitas”?
Um franciscano bate na porta e anuncia que os convidados já chegaram. Todos se direcionam para o refeitório especialmente preparado para a ocasião: uma grande mesa ornamentada com flores e frutas na qual estão presentes Ishmael, Abdul, Imam Jafar, rainha Ar-Iohan e sua comitiva de 10 feéricos, o abade franciscano com mais cinco monges e cinco representantes da comunidade islâmica local, em um clima de amizade e descontração.
-Rainha Ar-Iohan, deixe-me apresentá-la ao Imam Jafar, do Cray Batini de Constantinopla. – Disse Ishmael na qualidade de anfitrião.
-Como vai, Imam?
-Saudações, alteza. Abdul me contou da batalha pelo Óleo dos Thuata de Danaan.
-Os magos nos prestaram um grande serviço. Somos muito gratos.
-Ficamos felizes em poder ajudar. – Interveio Abdul.
-E como vai o forte feérico da Santissima Annunziata?
-O nosso Balefire vem atraindo changeling de toda Europa. Cada dia somos mais numerosos.
-Ótimo! – Respondeu Jafar amavelmente. – Saiba que nós Batini temos muito carinho pela coorte seeli.
-Obrigada, ficamos muito satisfeitos de termos aliados tão nobres. – Respondeu a rainha.
Três franciscanos organizam a mesa, servem algumas bebidas, sucos, vinho e água. Começam a servir a salada.
-Soube do conflito que tiveram com alguns judeus. Saibam que seus irmãos do oriente estão unidos a vocês nesse momento tão difícil.
-Obrigado, Imam Jafar. Nós, representantes da comunidade islâmica de Florença, ficamos gratos por sua preocupação.
-Conseguiram identificar os responsáveis pelo ataque à mesquita?
-Aparentemente foram todos mortos em um conflito no mesmo dia. Mas não descansaremos até que o último criminoso seja responsabilizados por seus pecados.
-Ótimo, mas me parece que também ouve excessos por parte de nossa comunidade...
-Sim, é verdade. Xeque Yasir e alguns irmãos mais exaltados conduziram uma jihad de forma autônoma.
-Isso é muito sério. É muito tênue a linha que separa a justiça da vingança...
-Sim, é... Para evitar que isso volte a ocorrer estamos tentando estabelecer um tribunal da Sharia em Florença.
-Me parece uma idéia bem interessante. Pode ser de grande ajuda para a comunidade local. Mas, ainda, sugiro que se estabeleça um dialogo com a comunidade judaica...
-Nós também pensamos dessa forma. Estamos articulando um espaço para o diálogo entre nós e as demais religiões monoteístas.
-Tenho certeza que Abdul e Ishmael ficarão felizes em ajudar.
Neste momento alguns franciscanos começam a servir o prato principal e a encherem os cálices...
Ishmael se levanta e profere um pequeno discurso:
-Gostaria de agradecer a todos por terem vindo nos prestigiar, em especial rainha Ar-Iohan e seus embaixadores. O imam Jafar é o responsável pela mesquita de Constantinopla, foi muito importante na minha vida e na minha formação. É a primeira vez que vem ao ocidente e nos sentimos honrados por sua presença, ainda mais neste momento tão delicado. Como todos sabem, Florença foi palco de uma terrível batalha contra os adoradores de Shaitan. O Imam veio pessoalmente expressar sua solidariedade. Gostaria de propor um brinde ao Imam Jafar, sinta-se muito bem vindo, e um brinde à Florença e que Allah (swt) a conduza à um futuro de paz, liberdade e prosperidade. – Todos levantam seus copos e brindam.
Após o jantar, Abdul anuncia uma pequena apresentação de canto gregoriano e música renascentista como entretenimento para os presentes. Adentram o recinto dez monges beneditinos. Neste momento, Jafar parece desconfortável, como se algo o incomodasse. Ele pega seu cajado e atentamente observa cada movimento de um monge alto, magro, de olhos fundos e sombrios e de voz particularmente grave. Os magos de Florença não entendem a reação inesperada de Jafar, até ‘examinarem’ magicamente aquele monge.
Abdul ficou desconcertado, sem saber o que fazer. Pedir desculpas à Jafar? Interromper a apresentação? ‘Desaparecer’ com aquele monge? Opta por não fazer nada. Passado alguns minutos, percebe a emoção que sentem todos os convidados e quando entoam a canção final, lágrimas brotaram do rosto do Imam Jafar, emocionado.
Impressionante! Como um serviçal de vampiro consegue entoar uma melodia de tamanha beleza?
(Ouça a música que emocionou o Imam Jafar)
[1] “Seja bem vindo” em árabe.
6 comentários:
Abdul está profundamente chateado pelos magos de Florença terem simplesmente ignorado seu convite...
Arturo respondeu! Está presente.
Arthuro respondeu quando?
Respondeu agora.
Como diria meu irmão: antes tarde do que mais tarde...
:-)
Hugo Marcelo
Fala Hugo.
Cara reli o post. Muito bom. As relações históricas entre os bagi de Florença, o histórico dos Batini e os conflitos com os dedaleanos, a recuperação de NPC´s feéricos, assim como o mote contra os cainitas. Uma retomada bem enriquecida de todos os temas de nossa crônica.
Estou ansioso de saber como se desenrolará o conflito entre os batini e os tremere!
Parabéns pelo texto
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