Ainda atordoado com a morte de minha mãe, mas resignado, percebi que o sol já havia se posto. A noite no deserto é uma experiência singular. A temperatura se torna amena, o vento fresco, as dunas de areia compõem uma paisagem de ilusória monotonia porque quando olhamos para cima vemos um céu limpo, repleto de estrelas. Este cenário é paradigmático. A areia e as estrelas têm muito a nos ensinar, fazem visível a miséria do Homem. Somos insignificantes grãos de areia com autoconsciência, do pó viemos e pro pó voltaremos, por mais aterrorizante que seja, é a realidade. Mas por outro lado, por sobre nós, inalcançável, está o firmamento, transcendente como Allah (swt) em toda sua magnificência, Al 'Azim [1].
Enquanto elevava meu olhar para contemplar as estrelas, por trás de mim com a mão em meu ombro, vejo sua face, seu olhar sereno, sua inconfundível fisionomia austera, quase sombria, mas com leve sorriso afável. Tinha algo de muito diferente em seu olhar. Estava mais penetrante, mais vivo. Seus olhos transpareciam uma pureza, uma simplicidade, mas uma nobreza como nunca havia percebido antes. Por um segundo pensei que estivesse vendo uma miragem. Ele aqui?? Como isso seria possível? Ele percebeu meu espanto...
Enquanto elevava meu olhar para contemplar as estrelas, por trás de mim com a mão em meu ombro, vejo sua face, seu olhar sereno, sua inconfundível fisionomia austera, quase sombria, mas com leve sorriso afável. Tinha algo de muito diferente em seu olhar. Estava mais penetrante, mais vivo. Seus olhos transpareciam uma pureza, uma simplicidade, mas uma nobreza como nunca havia percebido antes. Por um segundo pensei que estivesse vendo uma miragem. Ele aqui?? Como isso seria possível? Ele percebeu meu espanto...
-Assalam-u-Alaikum [2] jovem Abdul. O que foi, não reconhece mais seu tio al-Hasan al-Basri?
Após alguns segundos, respondi hesitante:
-Waalaikum salaam... Tio Hasan, o senhor aqui?! Pensei que estivesse...
-Lutando contra os infiéis? –Respondeu antes que eu terminasse a frase– Não sobrinho, não sou mais um Mujahid [3], não mais.
-Por onde esteve tio? Há 3 anos não temos notícias suas?
-Eu fui ferido em batalha, quando me recuperei, a Jihad perdeu completamente o sentido pra mim.
-Como assim, tio Hasan?
-Isso é uma longa história...
-Como soube da morte de minha mãe, vossa irmã?
-Não sabia. Estava de passagem a caminho de Meca...
-O senhor está em peregrinação à Meca?! -Exclamei surpreso!!
-Por que o estranhamento? A Hajj [4] é uma obrigação e uma graça...
-Que eu me lembre o senhor não era tão religioso assim, pelo contrário, era bastante crítico com relação a certas práticas religiosas... Ficamos surpresos quando decidiu se juntar à Jihad.
-Eu era jovem e obstinado... Queria aventuras, desbravar o mundo. Tornei-me um guerreiro pela honra, pela glória, por minha vaidade... Mas nunca fiz isso verdadeiramente por Allah (swt). –Respondeu pacientemente.
Seu olhar sereno parecia penetrar até minha alma, como se captasse minha essência e compreendesse meus sentimentos mais íntimos.
-Lamento a perda de sua mãe, que Allah (swt) conforte seu coração e lhe dê a paz.
-Foi uma morte tão inesperada... –Sussurrei.
-Allah (swt) sabe o que faz. Disse meu tio com voz triste, porém assertiva.
-Quanto tempo ficará na cidade?
-Até o fim da lua crescente, depois parto para Meca... -Já anoiteceu, vamos pra casa?
Respondi afirmativamente com a cabeça, com o olhar voltado para a areia que se acumulava sobre meus sapatos.
Embora estive muito confuso com relação ao repentino retorno de meu tio Hasan, cheio de indagações sobre por onde esteve nesses anos e o que realmente o levou a abandonar a frente de batalha, caminhávamos de volta para o acampamento em absoluto silêncio. Era como se as minhas questões perdessem a importância, como se a presença de meu tio por si só bastasse. Uma serenidade misteriosa brotava em meu coração suavizando a dor que outrora sentia pela perda de minha mãe. Na minha mente, até então tão perturbada, agora reinava uma tranqüilidade reconfortante e ecoava quase que independente de minha vontade, de forma autônoma...
لا إله إلا الله محمد رسول الله
"La ilaha illa Allah, Muhammadur rasûlullâh"[5]
_________________________
[1] Na tradição islâmica, Al 'Azim é um dos atributos de Deus que significa “O Magnificiente, O Infinito”.
[2] Expressão de língua árabe de cumprimento que significa “Que a paz esteja contigo”, em resposta deve-se dizer Waalaikum salaam, que quer dizer "Que a paz esteja contigo também".
[3] Aquele que segue a Jihad.
[4] Peregrinação a Meca, obrigatório pelo menos uma vez na vida para todos que gozem de boa saúde e meios financeiros para tal.
[5] “Não há outra divindade além de Allah; e Muhammad é seu profeta”, é a chamada Shahada (“Testemunho”) é a profissão de fé dos muçulmanos.
3 comentários:
Obrigado Diego...
:-)
Hugo Marcelo
Vou logo falar que tb para o segundo capítulo da Svetlana fiz referencias com ¹/²/³ que nem vc!
Uma sacada super legal!
Ei... quero ver se vai ter continuação do Abdul!
Diz que sim!
;)
Beijocas!
Obrigado Camila,
Novos Caps estão a caminho... Hehehe
Hugo Marcelo
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